Imaginando coisas

Não é a minha especialidade, mas vou adotar aqui a perspectiva de que o “motor” por trás dos retornos no mercado de ações (S&P 500, por exemplo) é a valuation embutida no P/L do mercado. Nesse contexto, será que o estado da economia faz diferença? A resposta deve ser sim. No entanto, será que a bolsa necessariamente “segue” a economia (ou mais precisamente, reage às mudanças de percepção sobre a economia)? Em outras palavras a trajetória do P/L e, portanto, o que se pode esperar dos investimentos em ações, está “conectado” ao estado da economia?

As figuras dão informação sobre os últimos 130 anos. Na figura de cima temos o P/L e o valor do índice do S&P. Na parte inferior, a média do crescimento anual em cada década assim como a média do retorno anual em termos reais do S&P 500.

(para melhor visualização clique na figura)

Conjeturas: Observamos 3 situações classificadas como bear market . O período de 1901 a 1920, 1965 a 1982 e o período de 2000 em diante. A principal característica desses momentos é a de que o preço “fica de lado”, apresentando somente volatilidade. Os lucros se movem de acordo com o PIB (a participação destes no PIB é relativamente estável). Olhando a figura inferior, em todos os momentos de “bear market” o crescimento da economia ficou significativamente abaixo da sua média (em torno de 3.4% ao ano), mas ainda assim com crescimento positivo. Com lucros crescendo e preços “de lado”, o P/L nesses momentos cai.

Nota-se que o início de todos os períodos de bull market – 1920 (até 29), 1949 (até 1965) e 1982 (até 1999) – o P/L estava, invariavelmente, em um dígito, não se tendo notícia de  um bull market começando com nível de P/L “alto”.        

O fato de o P/L ter ido à “estratosfera” no último bull market, batendo de longe aquele verficado nos anos 1920 (apelidados de roaring 20s), foi mais recentemente taxado de “bolha”.   O fato é que em 1982 as ações estavam “baratas” (P/L<10) e houve uma importante quebra de paradigma na economia. A trajetória de inflação foi quebrada (com credibilidade) e a economia ficou muito mais estável (redução de 50% na volatilidade do crescimento) além de manter o crescimento em um nível muito próximo da média de 3.4% ao ano. Na década de 1970, por exemplo, o crescimento não foi diferente daquele observado nos anos 1980 e 90, no entanto foi um bear market, claramente induzido pela trajetória alta e incerta da inflação (com a década ganhando o apelido de “Grande Inflação”)

No momento, estamos no décimo ano do último bear market  e ao longo dessa década o crescimento econômico médio anual só não foi pior do que aquele observado nos anos 1930 (Grande Depressão). Dado que o P/L encontra-se até um pouco acima da sua média e que a política econômica adotada não está surtindo efeito , fica difícil imaginar a possibilidade de a bolsa ingressar numa trajetória de alta sustentada. Rallys, de alta ou de baixa, podem acontecer ao sabor das notícias, especialmente aquelas que afetam a percepção de futuro.   Um bom exemplo disso é dado pelo que aconteceu entre 1933 e 1936, período durante o qual o “torpor” da política econômica foi quebrado pela política monetária expansionista decorrente da saída dos EUA do padrão-ouro. Em 1937 o Fed resolveu por bem dar um “aperto” e a coisa desandou novamente. Talvez o bull market que teve início em 1949  tivesse começado 16 anos antes (e a Grande Depressão não teria sido o que foi e, quem sabe, a Segunda Guerra não teria acontecido).                              

Apego a concepções equivocadas

Uma das razões para o “conservadorismo” do Fed é a noção totalmente convencional de que a política monetária afeta a economia com defasagens “longas e variáveis”. Qual a razão dessa “convenção”? Nesse ponto, Milton Friedman teve influência. Uma das razões que imagino ele possa ter tido para propagar a idéia das “defasagens” foi a de “desencorajar” a tentativa de “manejo fino” (fine tuning) da PM, algo que ele achava perigoso. Em tempos mais recentes, a afirmação freqüente por analistas de que as defasagens são “longas” pode ser uma forma de acobertar o fato de que o indicador preferido da PM – a taxa de juros, seja o Fed Funds ou a Selic – na verdade não identifica a postura da PM (se está “frouxa” ou “apertada”).

Trabalhos recentes desenvolvidos por Woodford e outros mostram que são as expectativas de mudanças futuras na PM que afetam a demanda agregada (DA). Desse modo, as defasagens nos efeitos da PM são desprezíveis.

Há uma abundância de evidências empíricas para tal. Qual foi o país desenvolvido que menos foi afetado pela Grande Depressão? Res.: Reino Unido. Porque? Foi o primeiro a abandonar o padrão-ouro (1931), uma PM expansionista.

Porque entre abril de 1933 e abril de 1937 o S&P essencialmente triplicou (além da deflação se tornar inflação e a produção industrial, que havia despencado 52% entre o pico de agosto de 1929 e março de 1933, mais do que dobrasse nos três anos seguintes)? Res.: Em abril de 1933 Roosevelt tirou os EUA do padrão-ouro, dando início a uma PM expansionista (e percebida como tal). As coisas viraram novamente quando, em maio de 1937, o Fed achou por bem sinalizar um aperto monetário ao aumentar as reservas compulsórias.

Porque nos EUA a DA despencou no terceiro trimestre de 2008, assim como o preço das commodities, a produção industrial e a própria inflação? Res.: O Fed indicava desde o segundo trimestre que a PM seria apertada. Esse “aperto” foi magnificado pela forte apreciação do dólar em relação a todas as moedas.

Porque entre março e outubro de 2009 o S&P subiu 35% (as commodities também)? Res.: Com a introdução do QE em março, o Fed sinalizou um “afrouxamento” da PM no futuro. E observe, os juros longos não caíram (como era intenção de Bernanke). Pelo contrário, subiram mais de 1%!

Porque em 1999 o Brasil não experimentou, como muitos prognosticaram uma explosão inflacionária por ocasião da mudança do regime cambial em janeiro daquele ano? Res.: Armínio Fraga, ao ser indicado presidente do BCB sinalizou uma PM “apertada” (consistente com uma meta para a inflação (e teve credibilidade).

E muitas outras evidências mundo afora existem. Infelizmente, o Fed insiste em sinalizar que a PM vai continuar “apertada”. O resultado não poderia ser outro. A DA contrai, a inflação desliza para a deflação e os ativos (exceto (se puder ser classificado de ativo) o ouro) perdem valor.

Não resisto a uma última “cutucada” no Bernanke. Na Historinha XVI de 20/8/2010, mostrei (na figura HDAMAXVI) que as indicações são de que a DA começou a cair em maio. Agora tem-se a notícia de que a Alemanha cresceu à taxa anualizada de 8.8% no segundo trimestre (contra 1.6% dos EUA). Em maio e junho tivemos o ápice da crise grega. A “fuga para a qualidade” apreciou o dólar contra o euro (entre outras moedas). Isso é equivalente a um “aperto” monetário extra nos EUA e uma “descompressão” monetária na zona do euro. A Alemanha viu suas exportações (e PIB) crescerem, enquanto os EUA viu seu crescimento “encolher”. Cadê a “defasagem longa” da PM???

Quando o BC “acorda”, o mercado se anima

Essa noite tivemos um exemplo claro da reação do mercado ao anúncio de medidas para “dar um tranco” na economia.
No momento em que o BoJ se reuniu em caráter de emergência tendo por objetivo “relaxar” a política monetária, a bolsa subiu mais de 3%! Depois recuou para 1.8% quando se percebeu que o BoJ continua “tímido”!
Enquanto isso, nos EUA não ouvimos membros do Fed recentemente alegarem que uma ação agressiva poderia “machucar” os mercados na medida em que as pessoas se assustariam ao perceberem que o Fed estaria enxergando sérios problemas com a economia?
E há também uma incapacidade interpretativa grande. Na sexta dia 27, o NYT escrevia; “Em palestra ansiosamente aguardada, Bem Bernanke, Chairman do Federa Reserve reiterou sua promessa de fazer mais para impulsionar a economia se as condições deteriorarem. Ele não pareceu particularmente convencido de que qualquer coisa que o Fed fizesse seria suficiente”.
Na verdade, o que ocorreu foi exatamente o oposto. Bernanke disse que havia muita coisa que o Fed poderia fazer, mas que tinham que avaliar o “custo-benefício” dessas ações, refletindo o “medo” de que elas pudessem aumentar a inflação além da conta!

Apresentação de Bernanke é só “provocativa”

Só posso classificar a apresentação de Bernanke durante a reunião em
Jackson Hole como “muito barulho por nada”. Os mercados estão tão
desesperados por alguém que indique uma “direção” que reagiram
positivamente (não se iludam, é temporário) a reciclagem de palavras
que vem sendo ditas há muitos meses após as reuniões do FOMC. Assim, o
mercado ficou “animado” com: “No entanto, o Comitê certamente
utilizará as ferramentas à sua disposição, à medida que elas se façam
necessárias, para manter a estabilidade de preços – evitar inflação
excessiva ou desinflação adicional – e para promover a continuação da
recuperação econômica”.
Em que isso difere das palavras presentes em todos os últimos
comunicados do FOMC: “… Nessas circunstâncias, o Federal Reserve
empregará todas as ferramentas à sua disposição para promover a
recuperação e preservar a estabilidade de preços”.
Bernanke também balbuciou que “opções de política estão disponíveis
para prover estímulo adicional para a economia dos EUA, se isso se
fizer necessário”.
O ponto importante é que ele (ainda) não vê necessidade disso!
Sua apresentação, na verdade, pode ser interpretada como uma
“provocação”. Explico: Ele concede 3 pontos levantados por aqueles que
pregam um política monetária mais agressiva, mas na sequência ou
ignora as implicações desses pontos ou argumenta contra eles.
(1)     Concede – como já afirmei diversas vezes – que taxas de juros
baixas podem refletir uma economia fraca ao invés de sinalizar uma
política monetária “frouxa”.
(2)     Concede que o Fed, ao se manter passivo, pode efetivamente estar
praticando uma política monetária contracionista.
(3)     Na discussão sobre o que o Fed pode fazer adicionalmente, se isso
for requerido, Bernanke alude à idéia de “meta para o nível de
preços”. Apesar de ter proposto exatamente isso para o Japão em
trabalho de 1999, no caso dos EUA ele não “vê qualquer suporte do FOMC
para tal política”. Pior, ele pensa que isso não é necessário e que
poderia até ser problemático!
Os mercados não se iludem por muito tempo…