Apego a concepções equivocadas

Uma das razões para o “conservadorismo” do Fed é a noção totalmente convencional de que a política monetária afeta a economia com defasagens “longas e variáveis”. Qual a razão dessa “convenção”? Nesse ponto, Milton Friedman teve influência. Uma das razões que imagino ele possa ter tido para propagar a idéia das “defasagens” foi a de “desencorajar” a tentativa de “manejo fino” (fine tuning) da PM, algo que ele achava perigoso. Em tempos mais recentes, a afirmação freqüente por analistas de que as defasagens são “longas” pode ser uma forma de acobertar o fato de que o indicador preferido da PM – a taxa de juros, seja o Fed Funds ou a Selic – na verdade não identifica a postura da PM (se está “frouxa” ou “apertada”).

Trabalhos recentes desenvolvidos por Woodford e outros mostram que são as expectativas de mudanças futuras na PM que afetam a demanda agregada (DA). Desse modo, as defasagens nos efeitos da PM são desprezíveis.

Há uma abundância de evidências empíricas para tal. Qual foi o país desenvolvido que menos foi afetado pela Grande Depressão? Res.: Reino Unido. Porque? Foi o primeiro a abandonar o padrão-ouro (1931), uma PM expansionista.

Porque entre abril de 1933 e abril de 1937 o S&P essencialmente triplicou (além da deflação se tornar inflação e a produção industrial, que havia despencado 52% entre o pico de agosto de 1929 e março de 1933, mais do que dobrasse nos três anos seguintes)? Res.: Em abril de 1933 Roosevelt tirou os EUA do padrão-ouro, dando início a uma PM expansionista (e percebida como tal). As coisas viraram novamente quando, em maio de 1937, o Fed achou por bem sinalizar um aperto monetário ao aumentar as reservas compulsórias.

Porque nos EUA a DA despencou no terceiro trimestre de 2008, assim como o preço das commodities, a produção industrial e a própria inflação? Res.: O Fed indicava desde o segundo trimestre que a PM seria apertada. Esse “aperto” foi magnificado pela forte apreciação do dólar em relação a todas as moedas.

Porque entre março e outubro de 2009 o S&P subiu 35% (as commodities também)? Res.: Com a introdução do QE em março, o Fed sinalizou um “afrouxamento” da PM no futuro. E observe, os juros longos não caíram (como era intenção de Bernanke). Pelo contrário, subiram mais de 1%!

Porque em 1999 o Brasil não experimentou, como muitos prognosticaram uma explosão inflacionária por ocasião da mudança do regime cambial em janeiro daquele ano? Res.: Armínio Fraga, ao ser indicado presidente do BCB sinalizou uma PM “apertada” (consistente com uma meta para a inflação (e teve credibilidade).

E muitas outras evidências mundo afora existem. Infelizmente, o Fed insiste em sinalizar que a PM vai continuar “apertada”. O resultado não poderia ser outro. A DA contrai, a inflação desliza para a deflação e os ativos (exceto (se puder ser classificado de ativo) o ouro) perdem valor.

Não resisto a uma última “cutucada” no Bernanke. Na Historinha XVI de 20/8/2010, mostrei (na figura HDAMAXVI) que as indicações são de que a DA começou a cair em maio. Agora tem-se a notícia de que a Alemanha cresceu à taxa anualizada de 8.8% no segundo trimestre (contra 1.6% dos EUA). Em maio e junho tivemos o ápice da crise grega. A “fuga para a qualidade” apreciou o dólar contra o euro (entre outras moedas). Isso é equivalente a um “aperto” monetário extra nos EUA e uma “descompressão” monetária na zona do euro. A Alemanha viu suas exportações (e PIB) crescerem, enquanto os EUA viu seu crescimento “encolher”. Cadê a “defasagem longa” da PM???

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